terça-feira, 17 de agosto de 2010

banda hamlet

Fazia muito frio. Omolu amedrontava-me, matutando sobre além das cortinas. Gota de suor que não escorreu escorreram, sombra no lençol. É aqui mesmo? O artista que tira a roupa na minha frente merece partilhar da minha atenção. Ver antes (ante conceber ver). Ver. Apenas. Com o fascínio da Crescente. Fazia frio naquele lugar. Havia palmeiras também. E uns cinco ou seis ou oito marginais iludiam. Uma escada, uma queda, uma fonte, um pinguinho de sangue - até que nem tanto sutil assim. No chão os semi-deuses diziam o que não se podia dizer. Seus movimentos mortos, orgásticos, pré-epicuristas. Dos corpos amorfos jorrava uma cólera distinta. Meninos muito bem apessoados e de belo porte. Meninos sujos. Meninas também. E punhais embalados com esmero num vermelho cetim. Cada um com o seu canhão apontado para a testa e para o outro. Luz. Mais luz. Malditos anjos góticos. O todo em fricção, gemendo de prazer, zombando nossa cara de babaca. Derramaram os leites maus. Os bons também. Derramaram, derramaram, verteram com seus xaxarás, varreram Eguns e espetaram o canto da minha cutícula com um lasca bem fina de carvalho - seria orvalho? Coisas assim vivi enquanto cremavam-me pacientemente com requintes de crueldade, de ilusão, ao som de "Like a virgin" - acidental? Quem de mim morreu? Qual pai, qual mãe, qual nada! Puta, santa... alguma coisa foi por água abaixo. Em que porão, frigobar, corda de náilon, brazilian culture, escondi o corpo que matei? Mato gente. Confesso que me apraz. Georgette em Medéia, Odilon em Saul, Ranieri nele mesmo, Maria em Bethânia, Elis Regina atrás da porta, Fellini em Palhaços, Danilo em Cliptemnestra, Glória Swasnor em Crepúsculo, Caetano em Transa, a puta que o pariu, caio em mim, a Banda Hamlet. Todos apagando depois do aplauso final. Alma de artista que parte. A Banda Hamlet é o movimento do repertório. A Banda Hamlet é bafo! (Tietagem). Fazia frio naquele bar. E gente pela galeria, bastante gente. E uma gente maluca bêbada também tinha, tomando Jack. Perguntei se era alcóolico. Estava longe; estávamos. Lembrei de Fernanda, au hasard, lembrei de Paulinho, de Marina, de Vento Doce, de Lilica, de gente que eu queria que estivesse ali, sabe? Encontrei a Carla, blasé. Vi um troço branco se mexendo - Zé Celso, pensei - no fundo com aquelas luzes brancas, jorravam luzes brancas de tudo que era lado, do meu ventre, do externo, cristas ilíacas e o sujeito atrás queria mais um viva para a cultura brasileira, viva! Eu vi a banda passar. Uma alusão ao contínuo se sobrepondo, articulando. Instrumentos, alegorias, festivais (onde está o espetáculo?). Para além do campo da pura fruição estética, o palco do Teatro Oficina privilegiava o desnudar das relações, suas dimensões concretas, simbólicas e indagações absurdas frente à vida, eu vi a banda passar. Perplexidade era meu nome. Bonito era meu nome. E uma maluca bêbada, tomando Jack do meu lado (detesto gente que assovia quando gosta muito). A gente está se conhecendo, coração - bet you'll never get to! Porra! Tem arte pra se fazer todo dia todo dia quando eu chego e saio e socorro e durmo e quando passo café. Tem arte no chuveiro do Galpão, na Paulista tem arte e no Feijão, escovando os dentes, no telefonema que eu não dei, na minha extensão. Ars pra sobreviver, pra ir além Ars, pra metamorfosear, pra Waly, Ars. Pra ficar Odara, pra ficar Odara, pra ficar! É por causa da Banda Hamlet. Deu vontade de viver pra caralho! De acordar às quatro pegá bóia e í pro mato. Deu vontade de carpir até sangrar a mão no canavial e usar metáforas extremistas pra dizer o quanto eu gostei do que vi, com o cio chegando, calor. Leve a semente. Vida: questão de talento. Evoé! (Pausa)
Eu vi a banda passar.

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