quarta-feira, 9 de junho de 2010

atentado

- Porque o que esqueceram de te contar, garotinha, é que as coisas são bem maiores do que o tamanho dos teus chapéus. O mundo está cansado de enxergar a miséria e quem, me diga, quem você acha que apraz com as tuas palavras? Engraçado. Quando eu tinha a tua idade também julgava ser a criatura mais miserável do mundo. Vagava pelas noites escrevendo à velas, escarafunchava no mais fundo de mim, na mais profunda dor e achava que esta era a única condição que a literatura me impunha: o sofrimento. Quando a gente tem essa idade essencial é a atenção. A rebeldia, o rompimento, a transgressão, o ódio. Tem gente que acha que o renascimento advém da dor. E hoje me pergunto: pra quê? É isso que vejo nos textos teus. Honestamente, não me agradam. E nem tinham que me agradar. Bobagem é querer conquistar alguém com palavras. A voz que lê jamais saberá das pausas, do não dito, da cadência, nem das mãos que escrevem. Tesão a gente resolve é na cama. Por isso não quero teus sonetos, nem tuas elegias, nem tuas odes, nem nenhuma palavra tua. Quero o teu silêncio. Melhor: quero o teu gemido. É nele que mora o teu encanto. No sub-texto, no fundo escuro, na curva imprecisa do teu pescoço. Tua coxa se entreabrindo, minha mão certeira. Quero paredes, palpites, armários, rastros, hormônios. Quero vermelhos pecados profanos. Línguas e dentes. Destruição e barbárie. Vês? Falo com as mesmas letras que insistes em utilizar para elevar a dor. Cada qual com seu monólogo, eu sei. Mas por que, menina, não aprendes a conviver com o prazer? Tão bom selar-te com meus pelos; minhas pegadas de jovem leão. Navegar, navegar, navegar em teu corpo é quente. Conservado pelo vinho, pelo desejo. (Ah! El deseo). Minha cara, deixe esse romantismo de lado, é tão demodé! A melancolia não embaralha os lençóis nem deixa cicatrizes. Lembra-te daquele velho Aerosmith, dos nossos jeans rasgados, da ponta, da poça de vinho tinto no tapete e da água. Lembra-te de como sorvemos um ao outro, serpentes, umedecendo os lábios e nos fartando de uma carne que ali sim provamos bundamente. Pra que buscar o eterno no perecível? Amor eterno é papo de anjo. É enfadonho, lírico demais. As grades que existem nos teus entornos precisam de um grito de libertação e eu não o darei. Mas...repara naquelas mulheres. Aquelas que desconhecem Adele H., Camille Claudel, nem nunca sequer tocaram na capa de um Nietzsche, aquelas mulheres que não sobem nem descem a Rua, de porões e saltos, de Dreyer na mão e fósforos, estas sim, certamente, podem servir de aliadas para o teu ano novo quântico que já se anuncia. Bobagem te dizer tudo isso, eu sei. Cada qual com seus truques. É porque me vejo em você. Não é saudosismo, é pura vaidade. Quero me metamorfosear nessa fonte que avista a gilhotina. Quero o corte, o risco. Por isso abuse, meu bem. Tire essa dor do peito, dispa-se e mande teu corpo me visitar. São 1h53 da manhã. Em São Paulo faz frio, 13º na Avenida Paulista, bebi um pouco demais. Talvez por isso, quem sabe, talvez por isso queira tanto me atirar.

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