
[Para ler ao som de "É doce morrer no mar", na versão de Monica Salmaso]
No dia em que ele não veio eu fiquei a madrugada rezando baixo pro mar. Era lua cheia, farol, vela hasteada. Noite alta naquele deserto de sal. Trova de pescador, batuque de sereia, um rosário de dor. Nem sei dizer bem certo, seu moço, como é que eu fiquei. A gente não tem tempo pra servir o diabo porque tem é muito ponto pra juntar. Varava os olhos por aquele fundo poço e pensava que devia ser fácil se perder com tanta onda. Tanta coisa já ouvi de homem que virou noivo de Iemanjá... Mas homem do mar era o meu e forte! Tal qual Guriatã! Por isso mesmo, sem dar muita trela pra pensamento solto e já não tendo como escapar, atinava que homem feito ele não havia de servir de oferenda pra rainha do mar.
No dia em que ele não veio eu fiquei a madrugada rezando baixo pro mar. Era lua cheia, farol, vela hasteada. Noite alta naquele deserto de sal. Trova de pescador, batuque de sereia, um rosário de dor. Nem sei dizer bem certo, seu moço, como é que eu fiquei. A gente não tem tempo pra servir o diabo porque tem é muito ponto pra juntar. Varava os olhos por aquele fundo poço e pensava que devia ser fácil se perder com tanta onda. Tanta coisa já ouvi de homem que virou noivo de Iemanjá... Mas homem do mar era o meu e forte! Tal qual Guriatã! Por isso mesmo, sem dar muita trela pra pensamento solto e já não tendo como escapar, atinava que homem feito ele não havia de servir de oferenda pra rainha do mar.
Por que, minha mãe? Por que - eu replicava com a boca cheia de sal - a senhora havia de levar meu homem pro teu sobrado e me deixar aqui plantada sozinha nesse mangue seco de dor? Eu não tinha mais peito pra. Mulher de pescador vai se acostumando a ficar. Tem mais é que remendar a rede, tirar miúdo de peixe e acender o fogo pra queimar. Falta é tempo pra se lastimar. Mas eu sabia, por Nosso Senhor eu queria saber, que aquele caboclo que não era mais meu alguma hora havia de reluzir no fundo mais escuro, faceiro, com o saveiro cheio, apontando pra mim o que havia trazido do lado de lá. É... Eu sabia que ele vinha, porque meu homem era também um pouco dono de toda aquela imensidão. Se perde, mas se acha logo, que nem tábua de maré. E então me apertaria naquele cheiro pesado de maresia e eu nem ia mais saber o que era choro meu o que era sobra de mar. Eu sou é feita de espera, já disse, seu moço. Tem mais jeito, não. Longa noite longa. Foi quando subi os olhos e já tonta avistei de longe o corpo dele no escuro se aproximar. Qual nêgo mais forte que o meu era capaz de não voltar? Eu sabia, eu sabia! Agô, mãe d'água! Odoyá! Veio vindo vagaroso, de dias que não via o chão de terra pra pisar, de baque virado no pau seco da canoa, da falta d'eu, que sabia que tão logo havia de sentir. E, de bem pouco em pouco, de bem pouco em pouco, de bem pouco, fui me dando conta de que aquele que vinha vindo era homem meu, não. Aquele que vinha vindo era homem nenhum. Era onda vazia, nem canoa havia, nem sombra de pescador, nem repuxo de mar. Era homem meu, não. Lá tinha nada. Era só Exu traído que peça queria me pregar.
No dia em que ele não veio triste noite foi pra mim. E saí então a procurar. De que valia a terra ali fincada sem o braço do meu homem? De que valiam as contas, as paineiras, o Abaeté e os ijexás? É doce morrer no mar, sabia. Amargo era viver assim. Ossanha predadora levou meu homem de mim agora tinha também que me levar. Era o que podia fazer. (A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda alegria fatal.) É doce morrer no mar - avançando sob as águas do mundo pelo meio; é doce morrer - escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem; é doce - o mar por dentro como um líquido espesso de homem que não vai mais voltar.
No dia em que ele não veio triste noite foi pra mim. E saí então a procurar. De que valia a terra ali fincada sem o braço do meu homem? De que valiam as contas, as paineiras, o Abaeté e os ijexás? É doce morrer no mar, sabia. Amargo era viver assim. Ossanha predadora levou meu homem de mim agora tinha também que me levar. Era o que podia fazer. (A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda alegria fatal.) É doce morrer no mar - avançando sob as águas do mundo pelo meio; é doce morrer - escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem; é doce - o mar por dentro como um líquido espesso de homem que não vai mais voltar.
[Foto: Brisa Chander.]
sensacional.
ResponderExcluirsensacional.
além dessa não tenho quase palavras.